100 anos de Florestan Fernandes
legado de ciência e militância
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https://doi.org/10.36311/2022.978-65-5954-298-7Author(s)
Totti, Marcelo Augusto
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PortugueseAbstract
Florestan Fernandes would be 100 years old in 2020. Son of Maria Fernandes, a Portuguese immigrant who came to work on Brazilian farms, he has known the hardships of life since childhood, according to his own words he would never have become the sociologist he was, without his “plebeian” origin and their pre- and extra-school socialization. This sociological learning began at the age of 6 when he needed to earn a living as an adult, working as a shoeshine boy. But I would say that it is earlier, his mother, disillusioned with working in the fields of the interior of São Paulo, decides to move to the capital and starts to work as a domestic in the Bresser family home. Pregnant with Florestan, Hermínia Bresser de Lima, who would be Florestan's godmother, of wealthy origins and with refined habits, refused to call him by the name Florestan, the name of origin
German, the result of a character in a Beethoven opera, was not a name for a laundress's son, so the
godmother “renames him” calling him Vicente. Florestan had lived another sociological experience, which is the prejudice of the Brazilian elites towards the Brazilian people coming from the subordinate classes. Florestan studied this prejudice in more depth in his research on racial relations and the insertion of black people in class society, identifying the historical and structural origins of racism in Brazil that go back to our heritage of a slave-owning past.
He faced difficulties like a large part of the Brazilian population, he worked as a waiter at Bidu's bar, read behind the counter at times of less movement, which aroused the interest of teachers who frequent the place. The encouragement of the teachers who attended there bore fruit, he studied at the old maturity course and through one of those regulars at that bar, he got a job at a chemical company, enabling better socioeconomic conditions.
The difficulties for young people of “plebeian” origin would not be limited there, the challenge of entering higher education was something very distant. The newly created University of São Paulo, public and free, was an alternative. Created by the elites and for the elites, the entry of a working student with training in a maturity course contrasted with the aristocratic and erudite tone of the professors and students of the São Paulo elite. To remedy what he called a cultural deficit, he undertakes a monastic study routine that included reading on streetcars, park benches and staying in the municipal library until the lights went out.
Passing the entrance exam was not the easiest, with a panel composed of two French professors, with an oral test in French of a book by a French sociologist, it seemed an almost insurmountable barrier for the graduate of the maturity course. Florestan read in French and knew Durkheim's book On the Division of Social Work well and asked to take the test in Portuguese, the defendants found the situation unusual, but they accepted the candidate's request, which was approved (of the 29 competitors, only 6 were approved) .
Florestan Fernandes was not just a survivor, he was a winner! He rowed against the tide in turbulent seas, faced themes and research that were not used in sociology at the time, printed a model of sociological science, placing sociology alongside the problems claimed by society. He fought for the public school, for the public university, he was on the side of the disinherited of the land, a socialist militant, his mandate as deputy functioned as a form of tribune of the plebs: a voice for those who have no voice.
In a society like Brazil marked by serious structural problems, ethnic, racial and social inequalities, the ideas and writings of Florestan Fernandes are more than necessary and remain alive in the struggle of the workers, at the National School of the Landless Workers Movement that bears his name, in public schools, public universities, in debates and this book intends to be one more contribution to keep the flame of his ideas burning, which light the way of an obscure past and guide to an alternative future of utopia and hope for Brazilian society.
FLORESTAN FERNANDES, Always Present! Florestan Fernandes completaria 100 anos em 2020. Filho de Maria Fernandes imigrante portuguesa que veio trabalhar nas lavouras brasileiras, conheceu as agruras da vida desde sua infância, segundo suas próprias palavras nunca teria se tornado o sociólogo que se foi, sem sua origem “plebeia” e sua socialização pré e extraescolar. Essa aprendizagem sociológica se iniciou aos 6 anos de idade quando precisou ganhar a vida como adulto, trabalhando como engraxate. Mas eu diria que ela é anterior, sua mãe desiludida com o trabalho nas lavouras do interior paulista decide se mudar para a capital e passa a trabalhar como doméstica na casa da família Bresser. Grávida de Florestan, Hermínia Bresser de Lima que seria a madrinha de Florestan, de origem abastadas e com hábitos requintados recusava a chamá-lo pelo nome de Florestan, nome de origem
alemã fruto de um personagem de uma ópera de Beethoven, não era um nome para um filho de uma lavadeira, assim a
madrinha “rebatiza-o” chamando-o de Vicente. Florestan vivenciara outra experiência sociológica, que é o preconceito das elites brasileiras para com o povo brasileiro oriundo das classes subalternas. Tal preconceito, Florestan estudou de forma mais aprofundada em suas pesquisas sobre as relações raciais e a inserção do negro na sociedade de classes, identificando as origens históricas e estruturais do racismo no Brasil que remontam à nossa herança de um passado escravocrata.
Enfrentou as dificuldades como grande parte da população brasileira, trabalhou como garçom no bar do Bidu, lia atrás do balcão nos momentos de menor movimento, o que despertou o interesse de professores frequentadores do local. O incentivo dos professores que ali frequentavam rendeu frutos, realizou os estudos no antigo curso de madureza e através de um desses frequentadores desse bar conseguiu um emprego em uma empresa de produtos químicos, possibilitando melhores condições socioeconômicas.
As dificuldades para o jovem de origem “plebeia” não se resumiriam aí, o desafio de entrar no ensino superior era algo muito distante. A recém-criada Universidade de São Paulo, pública e gratuita, era uma alternativa. Criada pelas elites e para as elites, a entrada de estudante trabalhador com formação em curso de madureza contrastava com o tom aristocrático e erudito dos professores e dos estudantes da elite paulista. Para sanar o que denominou de um déficit cultural empreende uma rotina monástica de estudo que incluía leituras em bondes, bancos de praças e permanecendo até o apagar das luzes na biblioteca municipal.
A aprovação no vestibular não foi das mais fáceis, com uma banca composta por dois professores franceses, com prova oral em francês de um livro de um sociólogo francês, parecia uma barreira quase intransponível para o egresso do curso de madureza. Florestan lia em francês e conhecia bem o livro de Durkheim Da divisão do trabalho social e pede para realizar a prova em português, os arguidores acharam a situação inusitada, mas acatam o pedido do candidato que é aprovado (dos 29 concorrentes apenas 6 foram aprovados).
Florestan Fernandes não foi apenas um sobrevivente, foi um vencedor! Remou contra a maré em mares turbulentos, enfrentou temas e pesquisas pouco afeitos em sua época na sociologia, imprimiu um modelo de ciência sociológica colocando a sociologia ao lado dos problemas reclamados pela sociedade. Lutou pela escola pública, pela universidade pública, esteve ao lado dos deserdados da terra, militante socialista, seu mandato como deputado funcionava como uma forma de tribuno da plebe: uma voz para aqueles que não tem voz.
Em uma sociedade como a brasileira marcada por graves problemas estruturais, de desigualdades étnicas, raciais e sociais, as ideias e os escritos de Florestan Fernandes são mais que necessários e se mantém vivos na luta dos trabalhadores, na Escola Nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra que leva seu nome, nas escolas públicas, nas universidades públicas, nos debates e esse livro pretende ser mais uma contribuição para manter a chama de suas ideias acesa, que iluminam o caminho de um passado obscuro e guiam para um futuro alternativo de utopia e de esperança para a sociedade brasileira.
FLORESTAN FERNANDES, Sempre Presente!